A inclusão e expressão dos surdos por meio da arte
Por Heloisa Bezerra
Eles
são mais de cinco milhões de pessoas no Brasil, segundo o censo do IBGE
realizado no ano 2000. Diariamente, enfrentam uma série de dificuldades
relacionadas à comunicação, pois sua língua materna não é o português.
Nem todos compreendem a língua portuguesa. Comunicam-se através de
Libras, a Língua Brasileira de Sinais, uma das línguas oficiais do
Brasil. Comemoram, no dia 26 de setembro, o Dia Nacional do Surdo, data
que marca a luta da comunidade surda por inclusão e acessibilidade e que
presta uma homenagem à inauguração do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (Ines), primeira escola brasileira voltada para o ensino de
surdos, fundada em 1857.
No Brasil, a comunidade surda,
apesar de numerosa, é pouco percebida pela sociedade. Por barreiras
linguísticas, os surdos muitas vezes são impossibilitados de exercerem a
sua cidadania. Como participar de uma audiência pública se não há
interpretes disponíveis? Ou, ainda, como ter acesso a serviços básicos e
garantidos pela Constituição como saúde e educação se nas escolas, nos
hospitais e postos médicos há uma deficiência de profissionais que sabem
Libras ou que são capacitados para a interpretação? Assim, os surdos
tornam-se estrangeiros em seu próprio país.
Em 2005, foi editado o decreto n
5.626, que regulamenta a lei n 10.436 e trata da garantia do direito à
educação por meio da língua de sinais, instituindo a presença
obrigatória de intérpretes em estabelecimentos públicos de ensino, a fim
de possibilitar o aprendizado de alunos surdos. Na prática, entretanto,
isso nem sempre acontece. Além disso, poucos professores sabem Libras e
são capacitados para trabalhar com metodologias adequadas para o ensino
de surdos. Crianças surdas devem ser alfabetizadas primeiro em Libras –
sua língua materna – e depois em português para facilitar o processo
cognitivo de aprendizado. Essa deficiência do sistema de ensino
contribui com a construção de um abismo entre surdos e ouvintes, visto
que torna ainda mais difícil o aprendizado da língua portuguesa para os
primeiros.
Nesse contexto, as artes,
sobretudo as visuais, surgem como um canal capaz de gerar mudanças. A
imagem, concebida pela fotografia, por vídeos ou pinturas, por exemplo,
pode ser utilizada como uma poderosa ferramenta pedagógica e
comunicacional. Ela comunica a partir do momento em que é pensada,
produzida, até quando é contemplada por outras pessoas, ocasionando
reações, reflexões e sentimentos distintos. No caso de pessoas surdas,
os estímulos visuais são ainda mais importantes, pois são sua principal
forma de comunicação com o mundo, já que seus olhos fazem também o papel
dos ouvidos. Além disso, a participação em atividades culturais
estimula a criatividade e o pensamento crítico, contribuindo com o
desenvolvimento de cada um.
Com a criação de imagens e a
divulgação das mesmas, pessoas surdas assumem o papel de produtoras de
bens culturais. Elas passam, assim, a inserir seus discursos na
sociedade, dando visibilidade a temas que lhe são importantes, expondo
suas ideias e concepções de mundo. Por meio da arte, os surdos dialogam
não só com os seus familiares e pessoas próximas, mas também com a
sociedade na qual estão inseridos. Isso toma proporções ainda maiores
com a internet, que ultrapassa qualquer fronteira geográfica. Há, dessa
forma, uma democratização da informação, através da inserção do discurso
de grupos que historicamente são excluídos dos meios tradicionais de
comunicação. Por isso, é de extrema importância a criação e
desenvolvimento de iniciativas que se utilizem da arte para garantir a
inclusão de pessoas com deficiência.
Por último, a democratização da
cultura enriquece a produção cultural do País e traz benefícios a todos.
Este é, no entanto, apenas o primeiro passo na busca de um modelo de
sociedade mais justo. É preciso perceber a necessidade de criar
oportunidades para que as pessoas cresçam, ocasionando,
consequentemente, o desenvolvimento da sociedade como um todo. Não é
apenas conviver com a diferença, mas valorizá-la.
Heloisa Bezerra é formada em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco. Trabalha como assessora de comunicação no FotoLibras,
projeto de fotografia participativa com surdos que utiliza a fotografia
como meio de expressão e comunicação, a fim de aumentar a visibilidade e
a inclusão da comunidade surda na sociedade.
Colaborou com este artigo André Luiz Lemos de Souza, coordenador surdo do FotoLibras, que foi aluno do curso de fotografia oferecido pelo projeto em 2007.
Crédito foto: Graciliano Paes – aluno da primeira turma FotoLibras (2007)
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